Autoridades italianas seguem investigando um suposto esquema de fraude em processos de cidadania que teria permitido a mais de 80 brasileiros obterem a nacionalidade italiana por meio de residências fictícias em uma pequena cidade do norte do país.
As investigações começaram há cerca de um ano e agora estão sob responsabilidade do Ministério Público de Udine, no nordeste da Itália. Segundo promotores, o caso envolve a falsificação de comprovantes de residência em Moggio Udinese – uma cidade de cerca de 1,6 mil habitantes aos pés dos Alpes Julianos – para que brasileiros pudessem pleitear a cidadania italiana por “direito de sangue” (ius sanguinis).
Como o esquema funcionaria
De acordo com a investigação, duas casas em Moggio Udinese — na Via Abbazia e na Via Traversigne — foram registradas como residência habitual de brasileiros que, na verdade, nunca moraram no local. A confirmação da residência é um requisito para que descendentes de italianos possam registrar sua presença no país e avançar com pedidos de cidadania via administração municipal, processo que costuma ser mais rápido do que aguardar anos em filas consulares no exterior.
No total, 83 brasileiros tiveram a cidadania reconhecida com base nesses registros falsos entre 2018 e 2024, ainda que muitos deles tenham passado apenas alguns dias na cidade ou nem sequer tenham viajado efetivamente para lá, segundo o promotor responsável pelo caso.
Denunciados e possíveis penalidades
Seis pessoas foram indiciadas pela Promotoria por falsidade ideológica em documento público — crime que pode resultar em pena de 1 a 6 anos de prisão, podendo ser maior em casos de reincidência. Entre os investigados estão quatro funcionários da prefeitura local, um brasileiro e uma mulher de origem albanesa, que alegadamente intermediavam o processo, indicando os endereços e auxiliando com a documentação falsificada.
Segundo o Ministério Público, os documentos apresentados à prefeitura continham sinais de irregularidade, como contratos de aluguel com assinaturas falsas ou datas inconsistentes — incluindo registros de chegada ao país antes mesmo da emissão do código fiscal italiano — e vistoria in loco que, em muitos casos, teria sido forjada ou sequer realizada de fato.
Pagamentos e vistos “turísticos”
Investigações indicam que os brasileiros que participaram do suposto esquema pagaram cerca de €6.500 (aproximadamente R$ 41 mil) para obter a cidadania nesse formato, valor que incluía o certificado de residência fictícia e a tramitação administrativa para reconhecimento do direito de sangue.
Fontes extraoficiais também sugerem o uso de “pacotes completos” que incluíam aluguel falso, documentos prontos e até viagens curtas para a Itália com fins apenas administrativos — sem permanência efetiva no país — reforçando a tese de que o processo foi usado para driblar a longa espera em consulados italianos no Brasil.
Reações e contexto
A prefeita de Moggio Udinese, Martina Gallizia, afirmou que a administração atual não está envolvida nas suspeitas e se recusou a comentar enquanto a investigação continua.
Especialistas em imigração destacam que a lei italiana prevê a possibilidade de reconhecimento de cidadania para descendentes mesmo sem residência permanente, mas a comprovação de residência efetiva é uma exigência legal importante — e a sua falsificação pode levar à anulação da cidadania obtida e a sanções legais para os envolvidos.
Impactos potenciais
Se formalmente denunciados e levados a julgamento, os acusados podem enfrentar penalidades severas, e há possibilidade de que a cidadania concedida com base em dados fraudulentos seja contestada ou mesmo revogada, caso a Justiça italiana entenda que o mérito dos pedidos esteve comprometido pela fraude.
O caso chama atenção também para a pressão e longas filas nos consulados italianos para reconhecimento de cidadania por descendência — um processo que em cidades como São Paulo pode levar até uma década de espera — incentivando alguns requerentes a buscar caminhos alternativos, nem sempre regulares, para obter o passaporte europeu.