O tornado que destruiu 90% da cidade de Rio Bonito do Iguaçu, no Centro-Sul do Paraná, e deixou ao menos seis mortos e mais de 750 feridos, tornou-se símbolo de alerta para as discussões da COP30, que começa nesta segunda-feira (10) em Belém (PA). O fenômeno, classificado como F3 na escala Fujita, teve ventos estimados entre 300 e 330 km/h, segundo o Simepar (Sistema de Monitoramento Ambiental do Paraná), e devastou completamente a zona urbana do município de 13 mil habitantes.
“O mundo real está agonizando”, alerta Observatório do Clima
Para o secretário-executivo do Observatório do Clima, Márcio Astrini, o desastre deveria servir como “alerta de desespero e urgência” às autoridades reunidas na COP30.
“O que aconteceu no Paraná é triste e grave, mas é mais uma repetição do que vem acontecendo não apenas no Brasil, como no mundo inteiro”, afirmou.
“Os últimos dez anos foram os mais quentes da história. Tudo isso deveria entrar dentro da Conferência do Clima, mas, muitas vezes, o que a gente vê é que a reunião fica impermeável ao mundo real.”
Astrini espera que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva mencione a tragédia em seu discurso de abertura e use o caso como exemplo de como as mudanças climáticas já impactam de forma direta o cotidiano dos brasileiros.
“O Brasil é altamente vulnerável: depende da agricultura e da regularidade das chuvas para gerar energia nas hidrelétricas. Essa realidade precisa ter efeito lá dentro”, disse.
Especialistas explicam: “Mais calor e umidade, mais combustível para o caos”
A oceanógrafa Renata Nagai, pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP) com apoio do Instituto Serrapilheira, explica que tornados não são causados apenas pelas mudanças climáticas, mas que o desequilíbrio atmosférico global aumenta a frequência e a intensidade desses eventos.
“As mudanças climáticas aumentam a energia do sistema. Mais calor e mais umidade funcionam como combustível para eventos extremos”, detalha.
Já o professor Michel Mahiques, também da USP, alerta que “as diferenças de pressão e temperatura estão se intensificando”, o que torna tornados e ciclones mais comuns no país.
“Com o aquecimento global, as massas de ar se contrastam com mais força. A consequência é o aumento de eventos violentos como esse”, afirma.
Tragédia e resposta imediata
Cinco das seis vítimas fatais eram de Rio Bonito do Iguaçu — três homens (49, 57 e 83 anos) e duas mulheres (47 e 14). A sexta, um homem de 53 anos, morreu em Guarapuava, também atingida por outro tornado.
O governador Carlos Massa Ratinho Junior (PSD) decretou estado de calamidade pública e anunciou auxílio emergencial de até R$ 50 mil por família.
“A palavra de ordem é cuidado. Desde ontem à noite nossas equipes estão mobilizadas. Vamos reconstruir cada casa destruída”, declarou o governador, que visitou a cidade no sábado (8).
Segundo o governo estadual, 1.000 pessoas estão desalojadas e 28 desabrigadas. A Defesa Civil distribuiu 2.600 telhas, 1.200 cestas básicas, 565 colchões e centenas de kits de higiene e limpeza. A vizinha Laranjeiras do Sul abriga parte dos desabrigados.
Equipes da Copel, Sanepar, Corpo de Bombeiros, Cohapar, Secretaria da Saúde e Fundepar atuam em força-tarefa para restabelecer serviços essenciais e avaliar escolas destruídas.
Enem adiado e rotina interrompida
O Ministério da Educação confirmou a suspensão das provas do Enem 2025 no município. Estudantes poderão fazer o exame em 16 e 17 de dezembro, segundo o ministro Camilo Santana.
“Nenhum estudante será prejudicado. Garantiremos nova oportunidade para todos os afetados”, afirmou.
Duas escolas estaduais — Colégio Ludovica Safraider e Colégio Ireno Alves — foram severamente danificadas e estão em vistoria. Hospitais regionais receberam mais de 400 feridos, muitos em estado grave.
Reconstrução e desafios climáticos
O governo estadual mobilizou o Fundo Estadual para Calamidades Públicas (Fecap) e ativou linhas de crédito emergenciais via BRDE e Fomento Paraná. O plano prevê reconstrução de estradas, pontes, escolas, creches e postos de saúde.
“Agora começa o processo de reconstrução das casas. É uma verdadeira engenharia de guerra”, descreveu o secretário das Cidades, Guto Silva.

Enquanto isso, meteorologistas investigam os outros dois tornados confirmados no estado — em Turvo e Guarapuava —, ambos com ventos entre 200 e 250 km/h, além de possíveis formações menores em áreas rurais.
Uma tragédia que ecoa além das fronteiras
O desastre em Rio Bonito do Iguaçu, a poucos dias da COP30, reacendeu o debate sobre justiça climática e a necessidade de planos nacionais de adaptação.
“O que aconteceu no Paraná é um retrato de um mundo em colapso climático”, resume Astrini. “Enquanto os líderes discutem metas em Belém, há famílias no interior do Brasil tentando encontrar um teto e enterrar seus mortos.”