Chimpanzés podem ser mais racionais do que se imaginava. Um estudo internacional publicado na revista Science trouxe evidências de que esses primatas são capazes de revisar crenças com base em novas informações — um comportamento até então associado principalmente aos humanos. A pesquisa, realizada no Santuário de Chimpanzés da Ilha Ngamba, em Uganda, indica que eles conseguem avaliar diferentes níveis de evidência, descartar pistas inválidas e mudar de ideia quando dados mais confiáveis surgem.
Assinado por uma equipe multidisciplinar de instituições como UC Berkeley e Universidade de Utrecht, o estudo intitulou-se “Chimpanzés revisam racionalmente suas crenças”. Os cientistas apresentaram aos chimpanzés dois recipientes: apenas um deles continha comida. Inicialmente, os animais recebiam uma pista sobre qual caixa teria o alimento — por exemplo, ouvir um som fraco ao sacudir o recipiente. Depois, eram expostos a uma evidência mais forte apontando para a outra caixa, como visualizar o petisco. Diante da nova informação, os chimpanzés mudavam sua escolha.
“Os chimpanzés foram capazes de revisar suas crenças quando melhores evidências se tornaram disponíveis”, afirmou Emily Sanford, pesquisadora de pós-doutorado da UC Berkeley. “Esse tipo de raciocínio flexível é algo que costumamos associar a crianças de 4 anos.”
Ao longo de cinco experimentos controlados — com grupos entre 15 e 23 animais — os pesquisadores identificaram que os chimpanzés não apenas seguiam o estímulo mais recente ou mais chamativo: eles pesavam evidências, distinguiam pistas fracas e fortes e descartavam informações quando descobriam que eram enganosas. Em um dos testes mais complexos, por exemplo, os cientistas mostraram que uma pista aparentemente clara era falsa — como ver comida que, na verdade, era uma imagem. Os animais corrigiram sua decisão após perceber o engano.
Para garantir a robustez dos resultados, o estudo utilizou modelagem computacional, descartando interpretações simples, como reflexos comportamentais ou preferências por estímulos específicos. “Registramos a primeira escolha deles, depois a segunda, e comparamos se revisaram suas crenças”, explicou Sanford. “Também usamos modelos para testar estratégias de raciocínio.”
Implicações: da evolução à inteligência artificial
Os resultados desafiam a ideia de que a racionalidade seria exclusividade humana. “A diferença entre humanos e chimpanzés não é um salto categórico, é um continuum”, observou Sanford. Já o psicólogo Jan Engelmann, coautor do estudo, destacou que a pesquisa questiona a tese de que apenas espécies com linguagem avançada poderiam atualizar crenças com base em evidências: “A pergunta agora é: como pensar sem palavras?”
A investigação abre caminhos para novas fronteiras. A equipe já adapta os experimentos para crianças de 2 a 4 anos e planeja aplicar o protocolo a outras espécies, como macacos-prego, babuínos e aves altamente inteligentes. A expectativa é construir um mapa evolutivo da racionalidade animal.
Sanford defende que os resultados podem influenciar debates sobre desenvolvimento infantil e até inteligência artificial. “Não devemos presumir que crianças chegam como tábulas rasas às salas de aula. E entender como animais processam evidências pode inspirar sistemas de IA mais próximos do raciocínio natural.”
Legado científico e novo olhar sobre animais
A pesquisa surge logo após a morte de Jane Goodall, pioneira no estudo do comportamento dos chimpanzés. Para Engelmann, o trabalho dá continuidade ao legado da primatóloga: “Goodall mudou o que pensamos sobre o que nos torna humanos. Estamos contribuindo para esse quebra-cabeça ao mostrar que a racionalidade, por muito tempo vista como exclusividade humana, também aparece — de alguma forma — em outras espécies.”
A conclusão é clara: animais estão longe de serem agentes passivos do ambiente. Nas palavras de Sanford: “Eles navegam o mundo com estratégias surpreendentemente inteligentes e adaptativas. E isso merece nossa atenção.”